
Rio Xingu
Imaginem sua casa ameaçada, o belo jardim pisoteado, o poço corrompido, seu modo de vida colocado em xeque?
Ou, mais especificamente: imaginem que o amado Araguaia dos goianos seja barrado em algum ponto do seu leito, sua vazão modificada, seus peixes contaminados, e sua água, de um lado do barramento se torne pesada pela morte e podridão das árvores de suas margens e seus peixes e, do outro, dependendo não das mudanças tradicionais das estações e sim de uma decisão alheia a de vocês, chegue a ficar tão seco que impeça a passagem de canoas, barcos e lanchas, a piracema dos peixes, a vida dos animais?
O que fariam?
Sem dúvida, reagiriam, indignados, e ergueriam céus e terras em defesa dos seus direitos.
Foi o que os Juruna (Yudjá) fizeram e continuam fazendo. Ergueram-se em defesa do seu rio, o Xingu, e de seu território, o Paquiçamba, reconhecido há décadas como terra indígena. E foi extraordinário o que conseguiram defender da destruição da Usina de Belo Monte, o “belo monstro” cujo projeto inicial pretendia muito mais do que efetivamente conseguiram.

Aldeia Muratu
Os Juruna (Yudjá) são um lindo povo moreno, orgulhoso, risonho, guerreiro, exímios nadadores e pescadores, conhecedores como ninguém das águas, recantos, pedras, correntezas e cachoeiras do seu rio. Cuidam da vida do Xingu como quem cuida de uma extensão de si mesmos. Separá-los ou conspurcar suas águas seria como decepar seus próprios membros.
Quiseram cometer esse crime de lesa-humanidade contra eles, que reagiram, se uniram, lutaram, e conseguiram vitórias dignas de quem tem segurança do direito inalienável de ter seu lugar no mundo. E continuam lutando pois entendem perfeitamente que o monstro continua atacando. Como agora está à espreita um outro projeto criminoso de construir ali mesmo, em suas margens, em terreno já comprado pela mineradora canadense Belo Sun, a maior mina de ouro a céu aberto do mundo.

Canoada 2017
Estive nessa região na semana passada, remando com os índios e um grupo de estudiosos, professores e ambientalistas, em uma canoada de cinco dias organizada pelo ISA – Instituto Socioambiental, passando por entre as correntezas de um rio com trechos quase secos, vendo alguns dos estragos evidentes deixados pelos impactos da construção da barragem principal e da usina já com parte em funcionamento. Mas vendo também os pedaços preservados: prainhas convidativas, esculturas de rochas negras junto a trechos da mata viva, da água viva, transparente e calidamente acolhedora, saboreando os peixes, admirando suas noites de lua cheia, seus amanheceres e entardeceres de pintura, e me perguntando como é possível que pessoas sem alma ousem destruir tantas beleza?
A discussão sobre a questão energética brasileira é de fundamental importância, sei disso, como sei também que a ciência criada pelo homem tem, hoje, condições de investir em fontes de energia menos destruidoras. Há alternativas para a destruição. É preciso investir nessas alternativas e parar com a prepotência autoritária de invadir o território alheio e destruí-lo como quem pisa e sai matando as flores de um terreno sem dono.
É preciso saber – quem ainda não sabe – que o território do Rio Xingu tem dono. Eles são guerreiros e se defenderão.
(Crônica publicada em “O Popular”, em 14/setembro/2017 – Fotos de Galiana Lindoso)
Amei o texto e as fotos